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Como funciona um ETF de Obrigações? - Parte 2

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Virtua
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Como funciona um ETF de Obrigações? - Parte 2

Mensagem por Virtua »

Continuação da parte 1. Não perceberão a parte 2 sem lerem a parte 1, por isso se ainda não fizeram recomendo começar pela sua leitura. Começar pelo início é sempre o melhor :-)

Podem encontrá-la aqui:viewtopic.php?t=197

Acabei esse post com a questão: Se o BCE e a FED continuaram a aumentar as respectivas taxas de juro como é que os ETFs de obrigações estão positivos em 2023?

O que contribui para movimentos no preço?

Para responder a essa questão vou relembrar de conceitos do último post e resumir que há dois factores que contribuem para a rentabilidade de um ETF de obrigações:
  • A duration (via movimentos da taxa de juro)
  • A yield to maturity (sendo a rentabilidade esperada da obrigação se levada até à sua maturidade, sendo que por sua vez duas coisas contribuem para o seu cálculo. O cupão e o preço.)
Qual a taxa de juro que nos interessa?

O outro ponto importante de perceber é que há muitas taxas de juro. Claro que a taxa de juro dos bancos centrais é chamada de taxa directora pela razão que no fim do dia acaba por ser a principal mas os bancos centrais só mexem nelas com meses de diferença, aquando das suas reuniões. Entretanto há uma panóplia de taxas de juro no mercado que variam em tempo real quando os mercados estão aberto.

Até quando falamos da Euribor temos de dizer se nos referimos à de 3, 6 ou 12 meses. Só aí temos 3 taxas de juro. Também temos as taxas a que diferentes países se endividam, e dentro de cada país taxas para diferentes períodos. 1 ano, 5 anos, 10 anos etc. Há até emissões de 100 anos:
"Even the 100-year tenor has already been tapped by companies such as Walt Disney and Coca-Cola and sovereigns such as Mexico, which sold its first century bond in dollars in 2010, and Austria, which did so in 2017.

Austria’s 2020 century issue saw demand surpass the amount sold by nearly nine times.

Peru and Israel also placed 100-year bonds last year, with investors apparently undeterred by Argentina’s default on the century bond it sold in 2017."
Fonte: https://www.reuters.com/article/us-glob ... SKBN29N1QU

Ou seja, diferentes ETFs terão diferentes yields, que correspondem ao tipo de obrigações que o compõe (normalmente dividido em 3 grandes grupos, Governamentais, Corporativas e High Yield)

No nosso caso o iShares Euro Government Bond 0-1yr UCITS ETF que é o ETF que temos usado como exemplo temos uma maturidade média de 6 meses (+/-) e são obrigações governamentais da zona euro. Isso leva-nos a uma página do BCE: Euro area yield curves

Quando chegam aqui vêm a Yield Curve que são as taxas nos diferentes períodos. Para o que vamos usar queremos as Yields a 6 meses (não a yield Curve) de All Bonds (das quatro maiores posições do ETF (Itália, França, Alemanhã e Espanha) apenas a Alemanhã é AAA por isso não faz sentido escolher o AAA yield.

Para exemplos de cálculos vamos também precisar das taxas de final de 2021, Final de 2022 e Março de 2023, o que nos dá este quadro:

As taxas que nos interessam para o exemplo e cálculos abaixo são:

2021-12-31 => -0.673%

2022-12-30 => 2.304%

2023-03-31 => 2.92%

Imagem

Porque é que estou a seleccionar estas taxas perguntam vocês. Porque vamos usar para calcular a rentabilidade sem saber qual a rentabilidade. Esta parte pode parecer complexa mas é aritmética simples. São é bastantes variáveis.

Portanto sabemos que:

O retorno que vem da yield média é o retorno que vamos ter nesse ano vindo da yield. Ou seja se a yield média de 2022 foi de 0.8155 assumindo um crescimento contínuo da taxa de juro, que não sendo o que aconteceu na realidade é uma aproximação boa (-0.673+2.304)/2=0.8155)

A duration do nosso ETF é cerca de 0.5. Novamente uma aproximação, pois irá variar ao longo do tempo mas para o nosso caso chega.

O TER do ETF é de 0.15%

Podem ver abaixo que o previsto de 2022 seria uma rentabilidade de -0.823 vs uma rentabilidade real de -0.96. Mesmo assim falhamos um pouco, de qualquer das formas foi devido a termos apanhado a rentabilidade num ponto "mau". Neste caso tivemos azar de não estar alinhada com as expectativas.

Por outro lado, pelo nosso método a rentabilidade prevista no primeiro trimestre deste ano seria de 0.3075% e foi de +0.48, Ou seja, o ETF acabou por "apanhar" a nossa previsão, como podem ver pela soma dos 5 trimestres.

No final do dia o cálculo é tão preciso que temos de incluir os 0.15% de TER para termos dados mais próximos da realidade.

Imagem

Link Google Sheets
  • Rentabilidade prevista = Ganho devido a Yield + Ganhos/perdas devido a duration - Custos
  • Yield média = (Yield início do periodo + Yield fim do periodo) / 2
  • Ganho/Perda devido a duration = Variação na yield * 0.5 * -1 (0.5 é a duration do ETF e -1 porque a contribuição é a oposta, uma subida da yield leva a uma descida inversa no preço e vice-versa)
Como podemos ver, mesmo num período em que a yield subiu (2023 Q1) este é só um factor que contribuiu para a rentabilidade do ETF. No nosso caso o ganho devido à yield mais que compensou a perda devido ao aumento da taxa de juro.

Como podemos ver, mesmo num período em que a yield subiu (2023 Q1) este é só um factor que contribuiu para a rentabilidade do ETF. No nosso caso o ganho devido à yield mais que compensou a perda devido ao aumento da taxa de juro.

Fazendo estes cálculos com base mensal e mais ou outro ajuste obtemos:

Imagem

Por outro lado, e reforçando a ideia que há muitas taxas de juro mostro aqui a yield de eur Gov. 5 anos, que desceu em 2023 Q1, mesmo tendo os bancos centrais continuado a aumentar a taxa de juro directora.

Imagem

Porquê? Bastou com a falência dos bancos as expectativas sobre as taxas de juro se terem alterado. O mercado alterou as expectativas em relação ao máximo que os bancos centrais iam subir as taxas de juro. "Só" isso. Os mercados são máquinas de expectativas, não funcionam com base em coisas que já se "sabe" que vão acontecer. Só quando acontece algo inesperado é que as expectativas mudam. E quando há volatilidade nos mercados é devido à dificuldade em criar estas expectativas e à constante alteração das mesmas.

Para que nos serve isto? Há um mercado de futuros que nos diz quais as taxas de juro esperadas em diferentes alturas. Incluindo subidas de juro por parte da FED e da euribor. Também o há sobre taxas governamentais (embora eu não tenha encontrado um site com esses dados de graça, se alguém souber por favor que coloque nos comentários).

Isto são expectativas, não que vai acontecer necessariamente. Eu diria que o mercado até falha mais vezes do que acerta como podem ver por um gráfico das expectativas da euribor, por isso não pensem que vão ganhar dinheiro com expectativas ou porque "sabem" que daqui a 6 meses a euribor estará acima da taxa de hoje.

Imagem

É contudo também relevante para fazer simulações para carteiras de investimento com estes ETFs. Principalmente simulações de stress tests para ver se as perdas seriam aceitáveis. O que aconteceria se as yields euro gov. aumentarem 2 pontos percentuais nos próximos 12 meses? O que acontece se as taxas estabilizarem ou descerem?

O que aconteceu quando o Sillicon Valley Bank "faliu"?


Por último e por curiosidade mostro o mais recente movimento brusco nas yields governamentais sem qualquer tipo de alteração na taxa directora por parte dos bancos centrais nesse período.

Imagem

A queda nas yields governamentais na altura de crises é relativamente comum e chama-se fly-to-quality (ou flight-to-safety). Quando dizemos que o preço das obrigações sobe quando a yield desce é a este movimento "no momento" que nos referimos. O que aconteceu ao ETF? Subida de preço claro.

Imagem

Ainda não sei se para a semana vou acabar a trilogia com um "Porque é que as Obrigações indexadas à inflação caíram em 2022?" ou não. É meio tema do ano passado. Mas mais cedo ou mais tarde devo fazer esse post porque acho que Inflation indexed bonds são incompreendidas.

Comentários "para sempre" no fórum da minha comunidade aqui: viewtopic.php?p=4650. Responderei no reddit nas próximas 48 horas (esperança media de vida de um post aqui).
Última edição por Virtua em 08 abr 2023 14:38, editado 2 vezes no total.
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Re: Como funciona um ETF de Obrigações? - Parte 2

Mensagem por Virtua »

Agora a ler o post com cabeça mais fresca apercebi-me que a explicação das contas do excel estavam mais confusas do que o necessário. Não apaguei nada do que fiz mas logo a seguir à imagem do excel coloquei uns bullets points a explicar as contas de forma mais simples e link para o google sheets, porque sei que há pessoal que se dá mesmo bem com spreadsheets e percebe até melhor contas assim.
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Re: Como funciona um ETF de Obrigações? - Parte 2

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Imaginando que a yield e a duration deviam manter um determinado fundo a subir, mas de repente nesse fundo começava toda a gente a vender as suas up's... Mesmo que a matemática indicasse que o fundo devia subir ele iria cair certo?
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Re: Como funciona um ETF de Obrigações? - Parte 2

Mensagem por Virtua »

pge Escreveu: 10 abr 2023 15:41 Imaginando que a yield e a duration deviam manter um determinado fundo a subir, mas de repente nesse fundo começava toda a gente a vender as suas up's... Mesmo que a matemática indicasse que o fundo devia subir ele iria cair certo?
Estou a tentar perceber o raciocínio. Estás a tentar separar as obrigações em si vs o ETF como instrumento? Estás a falar especificamente do ETF? Do género:

"mesmo que as obrigações valorizassem e teoricamente o ETF devesse valorizar MAS o pessoal vendia o ETF em massa se isso levaria a uma queda do ETF?"

Quero perceber a questão para responder de forma compreensível mas a resposta é sempre não. Agora, gostaria era de conseguir explicar o porquê de a resposta ser não, que vai depender do que está a ser perguntado.
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Re: Como funciona um ETF de Obrigações? - Parte 2

Mensagem por pge »

Sim é isso. 🙂
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Re: Como funciona um ETF de Obrigações? - Parte 2

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pge Escreveu: 10 abr 2023 23:39Sim é isso. 🙂
O ETF, da forma que é criado, não permite isso. O ETF é uma carteira de obrigações. Os fundos de investimento "normais" só têm NAV mas os ETFs têm um valor NAV (valor justo) e um valor cotado (portanto dois "preços"). O que é que os alinha? Arbitragem.

Há entidades que podem criar ou "fazer diminuir" a quantidade de UPs de determinado ETFs. Isso faz com que qualquer "ganho" que se possa ter, elas estão lá para o arbitrar ;-) Faz parte dos incentivos de ser um Participante Autorizado.

Os AP são tipo um market maker, não é a iShares nem a Vanguard, são os intermediários emntre a iShares e o mercado. São os únicos que vão ao mercado primário do ETF e entregam as obrigações reais em troca do ETF, ou vice versa, podem ir buscar as obrigações em troca de UPs do ETF, criando assim arbitragem e mantendo os valores entre a NAV e o preço de mercado muito semelhantes!!
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Re: Como funciona um ETF de Obrigações? - Parte 2

Mensagem por pge »

Virtua Escreveu: 10 abr 2023 23:52
pge Escreveu: 10 abr 2023 23:39Sim é isso. 🙂
O ETF, da forma que é criado, não permite isso. O ETF é uma carteira de obrigações. Os fundos de investimento "normais" só têm NAV mas os ETFs têm um valor NAV (valor justo) e um valor cotado (portanto dois "preços"). O que é que os alinha? Arbitragem.

Há entidades que podem criar ou "fazer diminuir" a quantidade de UPs de determinado ETFs. Isso faz com que qualquer "ganho" que se possa ter, elas estão lá para o arbitrar ;-) Faz parte dos incentivos de ser um Participante Autorizado.

Os AP são tipo um market maker, não é a iShares nem a Vanguard, são os intermediários emntre a iShares e o mercado. São os únicos que vão ao mercado primário do ETF e entregam as obrigações reais em troca do ETF, ou vice versa, podem ir buscar as obrigações em troca de UPs do ETF, criando assim arbitragem e mantendo os valores entre a NAV e o preço de mercado muito semelhantes!!
E no caso de fundos e ppr?
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Re: Como funciona um ETF de Obrigações? - Parte 2

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pge Escreveu: 11 abr 2023 00:04 E no caso de fundos e ppr?
Só têm NAV no final do dia (valor real/justo). Comprar mais UPs do fundo é como comprares directamente mais da carteira de Obrigações!

Em qualquer dos casos comprares mais ou menos UPs vai ter impacto no valor das obrigações do mercado. Pensa que no fundo não são mais do que uma carteira de obrigações. Compras é uma participação de um bolo grande.
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Re: Como funciona um ETF de Obrigações? - Parte 2

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Virtua Escreveu: 11 abr 2023 00:33
pge Escreveu: 11 abr 2023 00:04 E no caso de fundos e ppr?
Só têm NAV no final do dia (valor real/justo). Comprar mais UPs do fundo é como comprares directamente mais da carteira de Obrigações!

Em qualquer dos casos comprares mais ou menos UPs vai ter impacto no valor das obrigações do mercado. Pensa que no fundo não são mais do que uma carteira de obrigações. Compras é uma participação de um bolo grande.
Não percebi muito bem, ou seja se toda a gente começar a vender as UP o fundo cai mesmo que a matemática diga que devia subir? Mas no fim do dia há acerto ao NAV?
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Re: Como funciona um ETF de Obrigações? - Parte 2

Mensagem por Virtua »

pge Escreveu: 11 abr 2023 00:40 Não percebi muito bem, ou seja se toda a gente começar a vender as UP o fundo cai mesmo que a matemática diga que devia subir? Mas no fim do dia há acerto ao NAV?
Se venderes obrigações em massa, seja via fundo ou via directa vais fazer com que o preço desça certo? Se o preço das obrigações descerem o preço do fundo tem de descer obrigatoriamente. A "matemática" é função disto, não ao contrário, e vai bater igual.

O preço descer vai fazer com que a yield suba, o que tendo em consideração a duration pode fazer descer muito ou pouco o ETF. A yield do ETF/fundo é simplesmente a yield média das obrigações.

A compra ou venda de obrigações é que faz aumentar o diminuir o fundo de preço, como em qualquer activo. A descida da yield e consequente aumento de preço aquando da falência do Silicon Valley bank foi isso mesmo.

Aumento do risco (devido à falência do SVB) => Fly-to-safety => compra de mais obrigações "seguras"/governamentais => aumento do preço das obrigações (e por consequência do ETF) => descida das yields

Só depois é que a matemática bate certo. Uma vez que não sabes a yield futura não podes fazer "contas" porque é um input. Só podes fazer simulações.

Não é a realidade que vai bater certo com a matemática. É a matemática que vai bater certo com a realidade, se me faço entender.
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Re: Como funciona um ETF de Obrigações? - Parte 2

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Sim acho que percebi. Obrigado.
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Re: Como funciona um ETF de Obrigações? - Parte 2

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No fim do dia um ETF ou fundo de obrigações não é mais que uma carteira de obrigações. Venderes as tuas participações simplesmente vai levar à venda dos títulos e potencial queda subsequente. A matemática só nos ajuda a tentar perceber o quanto essa queda pode ser, tendo em consideração a duration.
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